terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Cecília

Chama-se Cecília.
Nunca tinha ouvido a história dela contada na 1ª pessoa.
Na verdade talvez nunca tivesse ouvido a história toda sequer.
A minha Avó Cila tem quase 93 anos.
Só neste Natal, é que a ouvi contar que aos 2 anos, quase 3, perdeu a mãe.
Passaram então quase 90 anos...
Era a mais nova de 3 irmãos. A madrinha de Baptismo (para ela ainda é com P) com quem foi criada não chegou a vê-la casar. E a pena que ela tem disso.
O pai casou segunda vez. Os irmãos cresceram noutra casa.
Lembra-se de um brinquedo pequenino de lata que lhe deixaram no sapatinho há muitos natais atrás.
Talvez sem papel de embrulho colorido.
Um conjuntinho de panelas miniatura. Estimado. As filhas mais velhas ainda brincaram com ele.

Sempre trabalhou de manga arregaçada, alheia ao frio e à geada.
Lembro-me dela apressada, a chinelar de um lado para o outro da cozinha, escada acima escada abaixo, quintal acima quintal abaixo, a responder a todos os "Cila!" e todos os "Avó!".

Sempre usou a palavra "Amor" na sua forma abreviada para "´mor" para se dirigir às filhas e aos netos. Ainda o mantém e expandiu aos bisnetos.

Viu partir muitos.
Sentiu a pior das dores para uma mãe. Perdeu uma filha.
Despediu-se do meu avô com um beijo. Para sempre.

É normal que chore.
É natural que a saudade lhe aperte o coração, que as memórias lhe inundem os olhos.
Disse-me que costumava dizer "Mais amor e menos confiança."
É, para ela, o princípio da educação.
Amor nunca faltou e com a confiança referia-se à falta de respeito, que há tanta hoje em dia.

Fica com os olhos pequeninos quando chora.
Não gosta de estar parada.
Corre menos quintal acima quintal abaixo. Já não precisa de responder apressadamente aos "Cila!" e aos "Avó!".
Ainda faz malha, sentada no mesmo canto.
Agora a respiração acusa o subir das escadas.
O sono prega-lhe partidas de noite.

Neste dia 25 estavam 4 gerações à mesa.
Lembro-me de poucos Natais com ela.
Vi-a rir como há muito não via.
Vi-a chorar. Das saudades, das lembranças, das histórias, das tristezas, das alegrias.
Vi-a chorar de tanto rir. Da felicidade, da companhia, dos embrulhos de papel colorido, da festa que fazem as crianças.
Assim de olhos pequeninos.




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