quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Tardes não programadas

Este Momento Filha Única não foi programado.
Uma dor lateral na barriga e costas levou-nos às urgências do pediátrico.

Entrada 13h04. Saída 20h40.
Para lá de 7 horinhas na maior das proximidades.
Haverá lá melhor tempo de qualidade para criar laços mãe-filha?!

Conversamos. "Almoçamos" da máquina. Ela dormiu no meu colo (quer dizer, deitada nas cadeiras e com a cabeça no meu colo.) Lanchamos no refeitório. Conversamos.
Observamos as vidas dos outros. Eu sei que não se faz, mas é impossível não reparar quando não há mais nada para onde olhar durante 4 horas de sala de espera, como previa o aviso para o código verde.Vai-se percebendo a impaciência crescente de mães e crianças. Mais das mães.
O cansaço de quem desespera. Nestas esperas que as febres baixem, que o xixi chegue, que as dores passem que os vómitos parem a constante é o "Sai daí; Pára quieto; Anda para aqui; Senta-te; Vais apanhar...; Tu tens é sono".

Revi-me em alguns daqueles desesperos, cansaços e intolerâncias. Mas noutras vezes. Não desta.

Havia mães e pais, mães com avós, mães com avôs, mães sozinhas. O número de sacos e mochilas aumenta na razão inversa à idade da criança.
Uma das que estava sozinha falava alto, como quem quer meter conversa com a mãe da cadeira do lado, como quem precisa de desabafar sobre as horas que passam, os números que vão chamando e as dores nas costas ou como quem quer saber se os filhos das outras têm coisas mais graves.
Várias falavam alto para as crianças, como se quisessem mostrar que estão atentas e presentes mesmo que os deixem correr só até à esquina da sala. Insistem para que comam.
Umas fingem que não vêm quando as crianças se deitam no chão, ou mexem na máquina do café.

Havia 2 meninos quase da mesma idade. Não deviam ter ainda dois anos.

Um deles tinha uma mãe desesperada da seca de ali estar. Várias mudas de roupa depois, o miúdo andava só de fralda. Corria toda a sala de espera, subia e descia cadeiras, carregava em botões. Comia pão sentado no chão. A mãe bufava, punha as mãos na cabeça. A avó tentava agarrar o miúdo que entretanto lhes tentava bater e fingia que cuspia. Nenhuma "fazia nada dele". Levantavam-lhe a mão e ameaçavam bater. Seguravam-no ao colo enquanto ele esperneava. Bateram-lhe no rabo. Deitaram o pão ao lixo porque ele não obedecia. Puxavam-no do chão por um braço.Toda a sala ía olhando. Sei que ela se sentia observada. Sei que só queria que ele dormisse um bocado. Sei que só queria que lhe dissessem que podiam ir para casa.

O outro, andava por lá a passear. Espreitava os mesmo botões, subia às mesmas cadeiras, observava as pessoas a tirar café. A mãe estava sentada a vê-lo. Nem percebi logo quem seria a mãe. Nunca lhe falou alto. O menino ia ter com ela de vez em quando. Ela dava-lhe colo mas não o prendia perto dela. Foi avisando para não mexer, para ter cuidado. Ele apontava para as coisas como quem pergunta o que é, ela ía respondendo. Talvez estivesse lá há menos horas. Talvez não tivesse havido ainda mudas de roupa e choros de cansaço ou fome. Talvez não estivesse tão preocupada com o trabalho, ou com o que deixou por fazer em casa.

Sei que não fui a única a reparar nestas diferenças.
Sei que quando estamos de fora vemos com outros olhos.
Não deixo de pensar nestes pares ação-reação e nas teses sobre comportamentos que se escreviam só duma sala de espera!

Finalmente chegou o nosso número.
Nada de conclusivo. Iríamos ter que esperar por mais um resultado. A I foi à casa de banho.
Chamaram-nos em menos de 5 minutos.
Afinal era precisa mais uma recolha de urina....
Ela tinha acabado de ir à casa de banho...
Adivinhava-se mais uma espera.
Aliás, duas esperas.
E eu nem sei como não me fartei.

A I fez exercícios de matemática enquanto bebia água para que a vontade chegasse mais depressa.
De tanto esperar e perguntar se já queria ir à casa de banho quem tinha vontade era eu.
Finalmente chegou a vontade e o resultado. Negativo.
Nada de conclusivo.
Dor de origem desconhecida.
Ala para casa. 

E, estranhamente, fica aquela sensação "tanta hora para nada"...e a receita do analgésico na mão.
A sala está outra vez à pinha. Entraram mais 100 crianças depois de nós.
Adivinham-se mais  "Sai daí; Pára quieto; Anda para aqui; Senta-te; Vais apanhar...; Tu tens é sono; Cala-te".

Respiro fundo e vamos embora.
Ainda bem que não era nada.




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