quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Lições

Hoje de manhã perguntaram-me o que é que estava no lixo no local onde trabalho.
Tentei explicar assumindo que ela não saberia do que eu estava a falar se utilizasse a terminologia adequada. Tentei simplificar nas palavras achando que ela teria receio de mexer no lixo quando o limpa. Fui surpreendida. Afinal ela reconhecia alguns termos. Perguntei como.
Tem um curso superior noutra área e trabalha nas limpezas.
Ela disse que tem muito orgulho por trabalhar. Muita gente lhe diz que não faria o que ela faz. A meio perguntou se eu estava muito ocupada. Falamos um bocadinho. Agradeceu os dedos de conversa.
Dei por mim a questionar-me se, até à data, a teria tratado de forma diferente por usar um avental e não uma bata. Espero que não. Mas mesmo sem querer julgamos muitas vezes.
Afinal usou ela termos que eu nunca tinha ouvido, da área dela.
Falou das cadeiras que teve na faculdade, tantas iguais às minhas, do que gostaria de fazer, da esperança que tinha que a vida tivesse boas surpresas para ela.
Orgulho é o que ela sente e eu senti admiração.
Exemplos de força e determinação vindos do nada, numa simples conversa pela manhã.

Lembro-me de como um Dr. no cartão MB mudava drasticamente a forma como nos atendiam numa loja, principalmente nesta cidade de doutorices.
Um dia a Dª L que trabalha na minha casa, foi buscar a minha filha mais velha à escola, tinha ela uns 7 anos. Amigas dela perguntaram quem era a senhora. Avó? Tia? Amiga da mãe? A minha filha não respondeu. Não foi capaz de utilizar as palavras "empregada" ou descrevê-la como alguém que trabalhava na nossa casa. A Dª L respondeu por ela e contou-me depois. Disse-me que não eram todas as crianças que fariam o que ela fez com aquela idade. Fiquei de nó na garganta de tanto orgulho e de mais uma lição de gente miúda.

Gosto que me lavem o cabelo, aprecio um café bem tirado, sabe bem sentar-me à mesa num restaurante e esperar que me sirvam, preciso que passem a ferro a roupa da minha casa, que reparem a máquina de lavar, que pintem as paredes da sala, que alcatroem as estradas...

É isto que quero que as minhas filhas levem para a vida. Todos precisamos de todos.
Não há profissões mais importantes que outras.
Somos todos membros duma sociedade que só funciona porque cada um tem o seu papel.
Sinais de superioridade é do mais triste que pode haver.

Das coisas mais estranhas que vi até hoje foi uma mãe na fila para a Kidzania mini, num centro comercial, opinar sobre as profissões que o filho devia escolher para brincar.

Não há um dia em que a vida deixe de nos dar lições.



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